A nova humanidade e a Fratelli Tutti

A vida é a arte do encontro,

embora haja tanto desencontro na vida.

Vinícius de Moraes

            A humanidade foi presenteada com a nova carta encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco. Somos todos irmãos é o que o Papa nos quer recordar! É bem verdade que a humanidade caminha numa linha ténue de esquecimento, tanto no reconhecimento e amor a Deus, quanto no reconhecimento e amor ao próximo! Principalmente àquele próximo pobre, sofredor, oprimido, excluído e machucado por várias realidades do mundo, muitas vezes cruel.

            No mês de setembro, mês dedicado a Bíblia Sagrada, refletimos o livro do Deuteronômio com o tema: “abre tua mão para teu irmão” (Dt 15,11). As reflexões possibilitaram um maior aprofundamento bíblico na temática da fraternidade. De certa maneira, já nos prepararam para receber a tão esperada encíclica que ecoa no coração da humanidade a chamada para vivermos todos como irmãos.

            Quando Israel é convocada por Deus, Shemá Israel (Dt 6, 4), à lei do Amor ao Deus UM, “Amarás o Senhor Teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e com toda a tua força” (Dt 6, 5), já está pressuposto a lei do amor aos irmãos, pois se Deus nos convoca ao Amor como negar esse mesmo Amor ao outro próximo? O texto ainda nos recorda um ponto que, muitas vezes, passa por despercebido: “cuida para não esqueceres o Senhor que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Dt 6, 12). Este lembrete é de suma importância para nós, pois Deus sempre se recorda da sua aliança com o seu povo. Na maioria das vezes são o povo que esquecem de Deus, de sua bondade, de sua libertação; e por isso mesmo esquecem do outro, da responsabilidade fraterna em abrir a mão a teu irmão, principalmente ao irmão mais sofredor.

            Passar pelo livro do Deuteronômio é de suma importância para compreendermos a Nova Humanidade que foi inaugurada em Cristo Jesus. É Ele o Novo Adão (1Cor15,45), que nos dá vida, que nos redime pelo poder libertador de Sua Cruz. Morte e Ressurreição marcam o nascimento da fraternidade universal. Na Cruz, possibilitou-nos a irmandade de todo ser humano que, no batismo, consciente e praticante, adentra nessa verdade de fé. São Paulo nos lembra de maneira brilhante esta Nova Humanidade: “Somos feitos por ele, criados em Cristo Jesus, em vista das boas obras que preparou de antemão, para que nelas caminhemos” (Ef 2, 10).

            Os cristãos são reconhecidos pela prática do amor fraterno. Nos afirma uma carta dos primeiros séculos do cristianismo intitulada Carta a Diogneto. Em Cristo somos todos chamados a ter as mesmas atitudes que Ele! No batismo fomos desvestidos do homem velho e revestidos do Homem Novo, Jesus Cristo. Por isso, à antiga lei do Deuteronômio (6,5) é dada o verdadeiro sentido: “[…] amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mc12, 28-34). Não há doutrina maior que a Lei do Amor!

            É este o convite que o Papa Francisco nos faz! Assumir verdadeiramente a Nova Humanidade inaugurada em Jesus, na qual todos nós batizados participamos! E não só, mas este documento abrange o todo da humanidade, dos limites das religiões, das ideologias, filosofias e princípios, todos os homens são chamados, todos convocados: “sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” (F. T.  nº 16).

            Depois de relatar o mundo do homem velho, marcado por desigualdades, preconceitos, abandonos, descartes, violência, ódio, maldade, o Papa Francisco convida à “ESPERANÇAR”: “Convido à esperança que nos fala duma realidade que está enraizada no mais fundo do ser humano, independentemente das circunstâncias concretas e dos condicionamentos históricos em que vive. Fala-nos duma sede, duma aspiração, dum anseio de plenitude, de vida bem-sucedida, de querer agarrar o que é grande, o que enche o coração e eleva o espírito para coisas grandes, como a Verdade, a Bondade e a Beleza, a Justiça e o Amor. A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna. Caminhemos na esperança!” (F.T. nº55).

            O exemplo de atitude a ser seguido, o tempo do Novo Homem, vem da parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37). Parábola esta que refletimos bastante na Campanha da Fraternidade 2020, Fraternidade e Vida: dom e compromisso; viu, sentiu compaixão e cuidou dele. Parece que tudo está muito bem esquematizado! Esta parábola, também, está referenciada ao mandamento do Amor que vimos no livro do Deuteronômio. O amor ao outro, ao próximo, é a maior expressão de amor à Deus! “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso” (1Jo4, 20). E a maior expressão de ódio ao irmão é a indiferença, não se ocupar daquele que necessita de cuidados, não parar na beira da estrada para socorrer o caído, não estender a mão ao irmão. Assim se expressa o Papa Francisco: “o samaritano do caminho partiu sem esperar reconhecimentos nem obrigados. A dedicação ao serviço era a grande satisfação diante do seu Deus e na própria vida e, consequentemente, um dever. Todos temos uma responsabilidade pelo ferido que é o nosso povo e todos os povos da terra. Cuidemos da fragilidade de cada homem, cada mulher, cada criança e cada idoso, com a mesma atitude solidária e solícita, a mesma atitude de proximidade do bom samaritano” (F.T. nº79).

            Essa Nova Humanidade é real, é possível! A abertura é o caminho! O Amor é a realização! “A partir do amor social, é possível avançar para uma civilização do amor a que todos nós podemos sentir chamados. Com o seu dinamismo universal, a caridade pode construir um mundo novo, porque não é um sentimento estéril, mas o modo melhor de alcançar vias eficazes de desenvolvimento para todos. O amor social é uma força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e renovar profundamente, desde o interior, as estruturas, organizações sociais, ordenamentos jurídicos” (F.T. nº 183). É essa coragem que nos inspira o Papa Francisco a partir de sua abertura à Palavra de Deus, ao Novo Homem, Jesus Cristo, ao verdadeiro cumprimento da Lei do Amor. Vamos construir um mundo novo, vamos viver como Novo Homem? É possível!

Seminarista Lucas André

3º ano de Teologia / PUC Minas

Referências: 

BÍBLIA sagrada. Tradução oficial da CNBB. Brasília: Edições CNBB, 2018.

PAPA FRANCISCO. Carta encíclica Fratelli Titti. 03 de out. de 2020. Cidade do Vaticano. Disponível em: < http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html >. Acesso em 15 de out. de 2020.

 

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