“Senhor, a quem iremos?”

“Ele te humilhou, fez com que sentisse fome

e te alimentou com o maná que nem tu nem teus pais conheciam,

para te mostrar que o homem não vive apenas de pão, mas

que o homem vive de tudo aquilo que procede da boca de Adonai”

(Dt 8, 3)

 

São duras as palavras de Jesus Cristo. E seu segmento causa escândalo para muitos de seus discípulos. É difícil renunciar a si mesmo, assumir o caminho da cruz. Muitos optam pela glória do palácio real, as coisas passageiras do mundo. Em nossos dias, nos deparamos com graves escândalos cometidos por representantes de Cristo. Recentemente os casos de pedofilia no Chile e agora na Pensilvânia. Escândalos cometidos pela fraqueza humana e sua incapacidade de se abrir ao mistério divino. O espirito é que vivifica, a carne para nada serve (Jo 6, 63). De fato, quando refletimos o valor da carne humana, identificamos sua perfeita união com o espirito: “carne que vivifica”; mas quando separamos a carne do espirito, ela para nada serve.

O evangelista João retrata a perspectiva de dois grupos de discípulos seguidores de Jesus: um grupo sempre aberto a acolher os ensinamentos do Mestre, empenhados no caminho do amor, abertos a ação do Espírito Santo, este grupo reconhece em Jesus palavras de vida eterna (Jo 6, 68); mas há um outro grupo daqueles que se prenderam à lógica do mundo, a corrupção. Seus interesses são egoísticos, pensam apenas nos bens materiais, no poder, se esqueceram da necessidade do espírito, ficando apenas com o que é carnal, limitado, aquilo que é da fraqueza humana. Por isso, recusam o seguimento de Cristo: a partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele (Jo 6, 66).

São muitas as vítimas de abuso de autoridade, abuso sexual e de consciência, praticados por lideranças da Igreja. Envergonham e mancham o nome de Jesus Cristo e de seus membros. Ao mesmo tempo o coração de Cristo se compadece desses nossos irmãos que não foram capazes de superar a lógica do mundo, ficando assim prisioneiros de si mesmos, cometendo atos que ferem seu próprio coração e de toda a humanidade. O Papa Francisco, em carta dirigida a todo o Povo de Deus, nos alerta para o mal do clericalismo – ligado ao segundo grupo – persistente em nossas comunidades eclesiais ainda hoje: o clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje.

Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo.

É preciso compreender que os sacerdotes são homens como qualquer outro, não são deuses! Os padres estão sujeitos a falhas, erros, pecados, são seres humanos como qualquer outro! A diferença é ministerial e não ontológica. É preciso, porém, que estejamos sempre atentos para oferecer nosso abraço amigo e acolhedor. E na dinâmica do Reino os motivar a viver, o máximo possível, de acordo com as exigências do sacerdócio. Nossa oração e amizade é necessária “para que os sacerdotes que vivem o seu trabalho pastoral com dificuldade e na solidão se sintam ajudados e confortados pela amizade com o Senhor e com os irmãos” ( Papa Francisco).

REUTERS/Max Rossi

São graves os casos de abuso, principalmente, os que se referem a atos de pedofilia. A sexualidade humana vem sendo tratada como um tabu, muitos tem medo, vergonha, receio de falar sobre este assunto, tratam como se fosse pecado! Por isso, em nossos dias enfrentamos tamanhas dificuldades com relação a sexualidade. Mas, é evidente que a sexualidade humana foi dada por Deus com um propósito (Gn 1,28), é um dom! Somente quando assumirmos e conhecermos verdadeiramente essa dimensão, é que poderemos superar nossas dificuldades na vida sexual.

O ato sexual é sagrado para o cristão, pois, é gerador de vida! O corpo próprio é realmente a maneira pela qual o ser, desde sua concepção, já se relaciona, primeiramente com o corpo da mãe que o gera e, após seu nascimento, com todo o mundo e as outras pessoas em sua volta. É o corpo que nos permite experienciar tudo o que está fora de nós. A corporeidade é a materialização do nosso ser interno, mental e espiritual. É o corpo a base primeira para todo o conhecimento. A educação sexual poderia ser um caminho para superarmos esses males que afetam tantas pessoas, famílias e a sociedade como um todo. Educar para amar e respeitar! A sacralidade da dimensão sexual deve sempre ser ensinada, para evitarmos uma realidade descontrolada e libertina!

Não quereis também vós partir? (Jo 6, 67). Talvez seria mais fácil como fizeram aqueles do segundo grupo de discípulos, abandonar o Mestre por causa desses escândalos que nos envergonham. Um evangelho escrito há tanto tempo, mas que se atualiza em nosso momento histórico. Quantas mazelas, quantas dificuldades em amar, dificuldades no seguimento cristão e na observância dos ensinamentos divinos. Mas é Cristo quem continua a nos chamar ao caminho de verdade e de Vida, segui-O!

Buscamos pela união com Cristo e assim com todo o Povo de Deus. Sabemos que o seguimento de Cristo não é fácil, por isso, Ele nos convidou a vivermos em comunidade, em comum união, tanto nas precariedades da existência, quanto nas realizações do progresso humano. Somente unidos a Ele é que poderemos dar testemunho autentico da verdade. A Igreja sofre junto com todas as vítimas abusadas, é preciso que assumamos a nossa culpa: Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele (1 Cor 12, 26). Quantos irmãos precisam da nossa ajuda para superar seus limites, nós, muitas vezes, viramos as costas, vamos embora ou, até mesmo, tomamos o lugar de Deus para julgar aqueles que erram.

Mas qual é a atitude de Cristo diante dos pecadores?

O único caminho que podemos trilhar é o de escutar, de rezar juntos, de olhar a realidade com coragem, mesmo se com vergonha, para reconhecermos erros e curar as chagas escavadas com profundidade na pessoa humana, na Igreja e em todo o povo de Deus. Nos escandalizamos com nossa realidade, mas tenhamos a esperança firme para professarmos com Pedro: Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que és o Santo de Deus (Jo 6, 68-69).

 

*Lucas André Pereira (seminarista/1° Teologia) – Diocese de Sete Lagoas.

 

Referências

BÍBLIA DE JERUSALEM. São Paulo: Paulus, 2002.

DEHONIANOS. Unidos pela palavra de Deus: proposta para escutar, partilhar, viver e anunciar a palavra nas comunidades In: <http://www.dehonianos.org/portal/18o-domingo-do-tempo-comum-ano-b/> Último acesso em ago. 2018.

MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. Trad.: Álvaro Cunha. São Paulo: Paulinas, 1983.

PAPA FRANCISCO. Carta ao Povo de Deus. Disponível em: < http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2018/documents/papa-francesco_20180820_lettera-popolo-didio.html >.

PAPA FRANCISCO. Não deixemos sós os sacerdotes. In: O vídeo do Papa. Disponível em: < http://www.imissio.net/artigos/48/1737/video-do-papa-nao-deixemos-sos-os-sacerdotes-pede-este-mes-o-papa/ >.

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