REFLEXÕES BÍBLICAS 1
“Um mestre da Lei se levantou e, querendo encontrar alguma prova contra Jesus, perguntou:
— Mestre, o que devo fazer para conseguir a vida eterna?” Lc 10:25
A pergunta “o que posso fazer para conseguir a vida eterna”, ou talvez, como ser salvo, ou mesmo como ter a vida plena é uma pergunta que muitas pessoas se fazem. E não somente as pessoas religiosas. A vida parece ser um bem absoluto, a vida boa, vida plena um desejo universal.
É possível que a vocação das pessoas ao cargo de responsabilidade das igrejas cristãs, seus membros, de pessoas que cuidam dos outros, todos e todas que se sentem em comunhão com Cristo é essa: ajudar às pessoas encontrar a vida plena, vida boa, vida que não termina, vida eterna. Deus é amor e Deus é vida. A nossa vocação é para a felicidade (Jr 29, 11 “Só eu conheço os planos que tenho para vocês: prosperidade e não desgraça e um futuro cheio de esperança”).
Quando procuramos o que quer dizer a felicidade, como a encontrar nos deparamos com uma surpresa: a felicidade não é algo que pode ser adquirido ou alcançado ou mesmo encontrado; felicidade, ou para voltar à pergunta do Mestre da Lei, a vida plena, não pode ser encontrada esperando passivamente. Existe enorme diferença entre prazer e felicidade.
O caminho hedônico não leva a vida plena. A felicidade acontece, supreendentemente, como efeito colateral. A felicidade é em longo prazo, é aditiva e generosa. É dar, viver junto com outros em comunhão, viver para os outros.
Quando a Igreja ensina, indica e pratica esse caminho da vida e o vive plenamente no exemplo dos seus membros e não sobrepõe o peso esmagador da culpa e do pecado, então a vida em plenitude está sendo alcançada.
Será que poderíamos imaginar nossas comunidades como espaços onde pessoas estão radiantes de felicidade, pessoas que estão vivas, estão em comunhão, participando de atividades comunitárias com entusiasmo, cuidando umas das outras? Onde não existe a divisão entre pessoas encarregadas das comunidades e pessoas participando dessas comunidades porque tudo é visto como um serviço e cuidado? Onde um dos primeiros adjetivos que poderíamos atribuir a Deus e ao Cristo é amigo e não juiz? Onde a única lei que prevalece é a lei do amor? “Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças e com toda a mente. E ame o seu próximo como você ama a você mesmo” (Lc 10,27). Amar a nós mesmos e não nos comparar com os outros, não viver na culpa pesada, mas na radiante confiança do perdão? Amar outras pessoas no respeito à liberdade de cada um e cada uma, aumentando a vida plena na comunidade? Será que amar a Deus não seria isto: viver nossa vocação de sermos felizes e compartilharmos a vida plena com todos e todas?
Jesus é bom pastor que dá a vida por suas ovelhas. Ele as conduz para que tenham vida abundante. (Jo 10,10)
A vida plena acontece quando estamos em comunhão com os outros e as outras.
Não é possível ter a vida plena quando os outros ou outras sofrem.
O caminho para a vida plena passa através da percepção e escuta dos gritos dos que estão sendo privados dessa vida e de caminhar juntos ou, até mesmo, gritar por vida boa, lutar juntos em favor dá vida. E não somente pelas ideias, mas pelos aspectos concretos como justiça, moradia digna, saúde, acesso a alimento saudável, boa educação, trabalho bem remunerado, tecnologia…
Em Taizé, nas orações nós cantamos: “Deus é amor, arrisquemos viver por amor. Deus é amor, Ele afasta o medo”.
Vivamos então, juntos, em favor da vida, também para outros e outras!
Um dos caminhos para a comunhão entre diferentes igrejas, onde poderíamos estar juntos e nos sentirmos irmãs e irmãos talvez seria ação em favor dos mais desprovidos, abandonados, excluídos (Mt 25, 31-40). Você conhece alguns exemplos onde isso é praticado e cria laços ecumênicos? O que me motiva a viver plenamente? Será que é o prazer ou talvez seja a felicidade? Ou talvez tenha outra motivação? O que eu entendo da expressão: a vida eterna, vida plena, vida abundante? Nessa ideia há espaço para os outros?
Outros textos bíblicos que possam ajudar na reflexão:
Jo 3, 16: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna.”
Mc 9, 40: “… pois quem não é contra nós está a nosso favor.”
1 Jo 4,18: “No amor não há medo; o amor que é plenamente verdadeiro afasta o medo. Portanto, aquele que sente medo não tem no seu coração o amor totalmente verdadeiro, porque o medo mostra que existe castigo.”
REFLEXÕES BÍBLICAS 2
“Jesus respondeu assim: Um homem estava descendo de Jerusalém para Jericó. No caminho alguns ladrões o assaltaram, tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto. Acontece que um sacerdote estava descendo por aquele mesmo caminho. Quando viu o homem, tratou de passar pelo outro lado da estrada. Também um levita passou por ali. Olhou e também foi embora pelo outro lado da estrada.” Lc 10:30-32
Com que novidade Jesus confunde o homem da Lei? Trazendo-o fora do Templo, na rua muito movimentada e perigosa por ser um lugar de peregrinação. Neste lugar uma pessoa foi vítima de assaltantes e deixado nu e quase morto à beira da estrada. Desceram também pela estrada um sacerdote e um levita, certamente entendidos na Lei. Ambos viram o quase morto e em vez de se aproximarem se distanciaram passando pelo outro lado.
O que se passou na mente deles? Será que tinham uma clara visão do que constituía o núcleo da sua religião, o maior mandamento: amar a Deus e o próximo como a si mesmo? Entendidos na Lei, não lhes veio à mente os lamentos de Jó: “nu saí do ventre de minha mãe, e nu para lá voltarei” (Jó 1,21) Quem diz que não poderia acontecer com eles nessa estrada perigosa? Como a nudez pode se tornar empecilho para ajudar? Não deveria ser o contrário? Um amor a Deus que esquece seu irmão é uma grande mentira. Não reconhece o próximo no desfigurado? A salvação, a vida eterna, é amar como irmãos os que sofrem. Temos claro o que constitui o núcleo de nossa fé e a prática que decorre nas situações de hoje? Se é Cristo, o núcleo de nossa fé, poderíamos professar e agir mais juntos face as vítimas que a sociedade causa?
REFLEXÕES BÍBLICAS 3
“Um samaritano que ia de viagem, chegou perto dele, viu-o e se compadeceu. Aproximou-se, cuidou das suas feridas, derramou nelas óleo e vinho, colocou-o sobre sua montaria conduziu-o a uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, tirou 2 denários. Deu-os ao dono da hospedaria e disse: Cuide dele e o que gastares a mais eu te pagarei na volta”. Lc 10:33-35
Neste terceiro momento de reflexão vamos nos aproximar da parábola na parte do texto onde Jesus coloca em foco a atitude do Samaritano que muda de rota. Não só se aproxima e para, mas busca um lugar para acolher a pessoa, mudando assim a direção da sua viagem. Primeiro leva o homem a uma hospedaria e só depois retorna ao seu caminho.
Isso significa mudou ou retardou a sua própria viagem em vista de cuidar do outro. Cuidado que para a pessoa com ferimentos é questão de vida ou morte como é dito na primeira parte da parábola… “os ladrões foram embora deixando-o semimorto”. (Lc 10,30).
Jesus relata que o Samaritano: “Aproximou-se, cuidou das suas feridas, derramou nelas óleo e vinho, colocou-o sobre sua montaria conduziu-o a uma hospedaria e cuidou dele”. Enfatiza a atitude de cuidado trazendo em um mesmo versículo duas vezes o verbo “Cuidar”.
Convidamos vocês a pensar este momento como um passo dado que cria comunidade. Antes eles eram pessoas que não se conheciam, mas logo que o Samaritano aproxima-se e cuida, provavelmente nasce aí uma relação de cuidado e amizade. O estrangeiro tornou-se irmão.
Vamos um pouco mais além, quando eles já não são apenas 2 mas 3 ou mais em uma hospedaria. O Samaritano leva o outro à mesma atitude de cuidado. “No dia seguinte, tirou 2 denários. Deu-os ao dono da hospedaria e disse: Cuide dele e o que gastares a mais eu te pagarei na volta”.
Promete um retorno que indica também uma relação de amizade e que demostra os aspectos relacional de cuidado e de confiança…
Podemos pensar que a atitude de agir gera a vida, o Samaritano não só viu como os outros que passaram pelo caminho, mas agiu e levou a outro a agir…
Quem pode nos ajudar a ajudar? Quem ou o que nos leva a unidade? Como podemos ser “pessoas de coração aberto, em saídas, para acompanhar a vida, sustentar a esperança, ser sinal de unidade?
Outros textos bíblicos que possam ajudar na reflexão:
Por que me importar com o outro, a outra? Mt 25, 34-40.
Que novidade é essa? 1 Jo 2, 3-11
REFLEXÕES BÍBLICAS 4
“Então Jesus perguntou ao mestre da Lei: —Na sua opinião, qual desses três foi o próximo do homem assaltado? —Aquele que o socorreu! —respondeu o mestre da Lei. E Jesus disse: —Pois vá e faça a mesma coisa.” Lc 10,36-37
A parábola do bom samaritano é introduzida com duas perguntas de um doutor da Lei, «o que devo fazer para possuir a vida eterna?». Jesus responde « Amarás o senhor teu Deus e a teu próximo como a ti mesmo.» Em seguida o doutor da Lei pergunta « quem é o meu próximo?»
Contando uma parábola em vez de dar uma resposta direta, Jesus parece nos querer questionar, nos desafiar. Ele nos faz um convite a buscar sair da nossa lógica e entrar na lógica dele, a lógica do Reino.
Como o mestre da lei nas suas perguntas, nós também colocamos muitas vezes, as nossas preocupações, angustias e desejos no lugar central das nossas vidas e nossas buscas. Mais Jesus nos questiona: « Qual dos três te parece ter sido o próximo do homem que caiu às mãos dos ladrões?»
Percebemos um sair do egocentrismo do inicio. Jesus nos convida a passar do «quem é o meu próximo » para « quem é o próximo daquele homem?”. » A perspectiva foi revertida. O homem assaltado, o marginalizado, o sem nome toma o lugar central, se torna o ponto de referencia. Quem é o próximo dessa pessoa?
Na resposta em versículo 37 o doutor da lei não fala do «samaritano», mas, sim, «daquele que o socorreu» ou «do que usou misericórdia». Misericordioso porque soube romper a distancia, a indiferença, os preconceitos. Jesus desperta no doutor da lei uma capacidade de ver o agir do outro, o ato amoroso, a misericórdia concreta em vez olhar com preconceitos culturais, políticos, raciais e religiosos. Entendemos que amar o próximo não é mais um dever moral, mas fruto de alguém que tendo recebido tudo de graça depois só pode ser gratuito nas relações.
«Vai e faze tu a mesma coisa». Assim Jesus envia cada um de nós e cada uma das nossas comunidades a viver o seu mandamento de amar, a amar concretamente, a entrar na lógica da gratuidade. Ele nos chama a reconhecer o amor gratuito e a misericórdia vivenciada nas vidas das outras pessoas e nas outras comunidades.
O meu lugar profissional, minha posição, o meu titulo na sociedade, a minha responsabilidade dentro da comunidade, a minha pertença a tal ou tal grupo, o meu grau de educação, todos os meus dons e capacidades, parecem aqui de não ter importância nenhuma na logica do Reino a qual Jesus nos chama a entrar.
É através desse amor pelo próximo, através da misericórdia para os marginalizados, através do cuidado para as pessoas a beira da estrada da nossa sociedade que poderíamos talvez descobrir «quem é o meu próximo. ». Ou ainda descobrir se « Sou um próximo? »
Como sair do nosso eu e se tornar um próximo dos excluídos?
Como poderíamos entender essa centralidade do homem assaltado? Se a proximidade, o cuidado e a misericórdia que tenho com uma pessoa maltratada e abandonada define se «sou um próximo», o que isso quer dizer sobre a identidade da Igreja de Jesus?
Entre cristãos, como poderíamos criar espaço para nos reconhecer mutuamente como próximos e se juntar na ação concreta para nos tornar juntos um testemunho do amor e da misericórdia de Deus?
Outros textos bíblicos que possam ajudar na reflexão:
Centralidade do ‘pobre’ no Reino de Deus: João 13, 21 –24
Entrar na lógica de Deus: Isaías 55, 8-10
Tornar-se pequeno para entrar no reino: Mateus 18, 1-12
Fonte: CONIC
por Ascom Diocesana